Antes de falarmos sobre comida, precisamos falar sobre a vista que temos a partir do restaurante Mira Mira. Um postal vivo do centro histórico do Porto, com o seu típico casario a encaixar-se como um tétris até chegar ao rio. De um lado, a Torre dos Clérigos, do outro a Ponte Luís I e o Mosteiro da Serra do Pilar, com os telhados das antigas caves de vinho do Porto a emoldurar o quadro. É uma das vistas mais icónicas de Portugal e só por ela vale a pena visitar este espaço do chefe Ricardo Costa, contudo, a experiência gastronómica que tivemos conseguiu levar-nos a outros territórios do país, sem sair da mesa.

Mira Mira
A vista do restaurante Mira Mira by Ricardo Costa créditos: Alice Barcellos

Ficamos a saber mais sobre o Mira Mira enquanto saboreávamos as entradas no terraço do restaurante. Após uma pausa de dois meses, esta reabertura com uma nova carta é feita com o desejo de que este ano seja de afirmação para um projeto querido a Ricardo Costa.

Ali bem próximo, ao subir a rua, está o hotel The Yeatman, onde o conhecido chefe conseguiu duas estrelas Michelin. Devido a esta proximidade física, é natural que exista uma troca entre os dois projetos, embora sejam muito diferentes entre si. No Mira Mira, o chefe tem “uma cozinha alternativa, com outros pratos que também poderiam estar ali em cima [no Restaurante Gastronómico do The Yeatman]”, disse Ricardo Costa.

A proposta é uma experiência de alta gastronomia, mas num ambiente mais descontraído, com ênfase nos produtos e ingredientes portugueses. E, assim, começamos a experimentar a nova carta, intitulada de Colheita, com sabores muito típicos de Portugal, mas com uma apresentação e requinte surpreendentes. Nas entradas, em formato finger food, a bola de Berlim com queijo da Serra e queijo da Ilha e a sanduíche de frango piri-piri foram as preferidas, num momento que também contou com um elegante vitello tonnato e uma tartelete de chalotas caramelizadas.

Já sentados à mesa, recebemos a última parte das entradas, um prato que encantou pela conjugação de sabores e apresentação: ostra, jalapeños e maçã verde. O que poderia indiciar uma combinação mais explosiva, desenrolou-se no palato com suavidade, em que a ostra veio revelar o toque de frescura e maresia que procurávamos.

O mar, aliás, seria uma constante neste menu de degustação que só conta com um prato de carne. Como nos explicou Ricardo Costa: "acredito que o futuro passará por comermos cada vez menos carne, esta é uma proposta gastronómica que vai ao encontro disso, mais saudável e sustentável, que usa e trabalha os melhores peixes e mariscos da nossa costa portuguesa. O próprio menu foi desenhado com esse propósito, fazendo esse crescendo, já que se inicia com pratos mais leves e frescos e depois tem o seu auge no bacalhau e na carne de porco, como pratos mais fortes e robustos".

Mas já lá vamos. Não podemos avançar sem antes referir o lírio com daikon e pérolas de pepino, o mexilhão com molho escabeche e a santola ao natural envolvida num cannelloni de pepino fermentado com caldo de crustáceos. Delicadeza, frescura e equilíbrio de sabores. O paladar tem este poder de ativar memórias e, ao experimentar estes pratos, fomos transportados para os fins de tarde de verão em que os sabores do mar fazem sempre parte da ementa das férias em família.

Deixamos as memórias das férias de verão e voltamos ao fine dining quando, com alguma solenidade, chegava à mesa um dos pratos mais surpreendentes (e um dos nossos preferidos) do menu. A raia, um peixe tantas vezes desvalorizado, conquistou aqui o seu devido lugar. Cozinhado na grelha e apresentado com couve-flor, em várias texturas, uma fina camada de pancetta ibérica e um caldo de cebola com óleo de cebolinho – este último servido na hora, realçando os aromas do prato.

Se até então não havia pão na mesa, ele chegou, quente, acompanhado com manteiga caseira e azeite, num momento de aconchego extra nesta refeição já ela muito alusiva à comida de conforto portuguesa. Continuando nesta linha, o bacalhau é servido em forma de feijoada, leve, mas, ao mesmo tempo, complexa e com sabores fortes. Ao bacalhau junta-se o feijão manteiguinha de Santarém, camarão da costa e óleo de chouriço a finalizar.

O último prato foi também um dos nossos preferidos. A carne de porco à alentejana é outra receita tradicional portuguesa que serviu de inspiração para o Chefe Ricardo Costa. Neste prato, a presa de porco grelhada é acompanhada com berbigão, molho de bivalves e coentros e um pickle de cebola. Uma combinação de ingredientes e sabores que conseguiram deixar aquela vontade de regressar para degustar, uma vez mais, aquele prato.

Para limpar o palato e preparar-nos para a sobremesa, o ananás dos Açores foi o rei. Caramelizado, gelado, granizado e em calda. São estas formas em que o ananás é trabalhado nesta pré-sobremesa que consegue exaltar todos os sabores desta fruta que merece mesmo uma coroa.

Para a sobremesa, mais uma fruta portuguesa tomou conta das atenções. A pera Rocha foi servida sob uma bolacha de amêndoas, creme de baunilha e uma bola de gelado de pera. Uma sobremesa suave, a forma perfeita de encerrar este menu de degustação – julgávamos nós, até ser servida a infusão do chefe acompanhada com um pequeno taco recheado de caviar de maracujá e ganache de coco; e uma tartelete de morango com manjericão.

Envolta num guardanapo, a última surpresa da refeição levou-nos até Aveiro, a terra natal do chefe: uma delicada tripa doce recheada de chocolate. Agora sim, a chave de ouro para fechar este menu de degustação de oito momentos, em que a harmonização de vinhos também assentou como uma luva, com excelentes néctares da Bairrada, Minho, Açores, Douro e Lisboa.

O menu de degustação do Mira Mira by Ricardo Costa varia entre os 80€ (4 pratos) e os 150€ (8 pratos), já a harmonização vínica vai dos 60€ aos 150€. Há também uma versão vegetariana do menu. Como uma das novidades desta temporada, chegam os pratos disponíveis à carta, dos quais se destacam o carabineiro salteado ao alho com tostas e coentros, o arroz de peixes e mariscos da costa, o jarret de vitela, cozinhada 24 horas com gnocchi e cogumelos, ou o toffee de cacau com fava tonka.

O restaurante Mira Mira está integrado no quarteirão cultural de Vila Nova de Gaia, o WOW - World of Wine.

O SAPO Viagens visitou o Mira Mira by Ricardo Costa a convite do restaurante