A bordo do Oosterschelde, um barco restaurado de três velas que abriga o projeto Darwin200, cientistas e ambientalistas replicam desde agosto a jornada do pai da biologia moderna, que, em 1835, chegou às ilhas que ficam à frente da costa do Equador.

Numa homenagem ao trabalho de Darwin, a iniciativa científica, que foi planeada durante uma década, procura formar novos líderes conservacionistas.

Na embarcação, viaja parte do ADN do naturalista inglês. A botânica Sarah Darwin, descendente direta, integra a equipa que chegou no dia 25 de abril à ilha San Cristóbal, a cerca de 1.000 km da costa continental equatoriana.

A cientista compara o estado do arquipélago que o seu ancestral encontrou pouco depois da sua anexação ao Equador (1832), quando tinha pouca presença humana, com o território atual, protegido desde 1959 e considerado Património Natural da Humanidade.

"Acredito que provavelmente a principal diferença é que, sabe, agora há pessoas a trabalhar para proteger as ilhas", diz à AFP Sarah Darwin, de 60 anos.

Há séculos, as ilhas de flora e fauna únicas no mundo eram um centro de abastecimento para piratas que levavam as tartarugas gigantes que lhe dão o nome para se alimentarem. Depois, uma base militar dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Se Charles Darwin "pudesse voltar agora e ver os esforços que todos estão a fazer, tanto local quanto globalmente, para proteger estas ilhas extraordinárias e esta biodiversidade, acredito que ficaria realmente, realmente emocionado e impressionado", acrescenta a botânica, que carrega consigo um exemplar de "A Origem das Espécies" com as suas frases favoritas sublinhadas.

De Galápagos, a joia da coroa na expedição de Darwin, o Oosterschelde parte este domingo para continuar a circunavegar o planeta até 2025, com escalas em Taiti, Nova Zelândia, Austrália e África do Sul, entre outros países.

Sarah Darwin
Sarah Darwin créditos: AFP or licensors

"Um mundo diferente"

Sarah Darwin visitou Galápagos pela primeira vez em 1995 com o objetivo de ilustrar um guia sobre plantas endêmicas. Depois, dedicou-se a estudar os tomates autóctones. Agora, acompanha, emocionada, os futuros cientistas inspirados no seu tataravô.

A bióloga aponta que há "belos paralelos" entre a viagem do Oosterschelde, uma escuna holandesa fabricada em 1917, e o HMS Beagle, que levou o seu antepassado até aos Galápagos aos 26 anos.

"Isto é um símbolo de aventura e é enormemente corajoso", afirma.

No Oosterschelde navegam jovens que estão a formar-se como ambientalistas e participam no projeto para constituir um grupo de 200 herdeiros do darwinismo que levante a voz a favor do meio ambiente quando o mundo enfrenta uma crise climática com secas, inundações e perda de biodiversidade. Em cada porto, novos entusiastas da ciência com mais de 18 anos unem-se à iniciativa.

"Chegamos a lugares onde ele [Darwin] foi e seguimos os seus passos, mas encontramos um mundo totalmente diferente depois de 200 anos. Este mundo mudou muito", comenta à AFP o holandês Rolf Schreuder, coordenador científico do projeto.

Aos 54 anos, Schreuder emociona-se. "Podemos ler os seus diários e ver o que o está a acontecer no nosso mundo real neste momento" para avaliar as mudanças e procurar soluções, acrescenta.

Oosterschelde
Partida do Oosterschelde, em Roterdão no dia 4 de agosto de 2023 August 4, 2023. créditos: AFP or licensors

Ciência e comunidade

Em Galápagos, os expedicionários trabalharam com investigadores da Universidade San Francisco de Quito (USFQ), da Fundação Charles Darwin e da Conservação Internacional em programas sobre espécies invasoras, tomates endêmicos, besouros, raias e tartarugas.

"Estas colaborações não apenas destacam a união entre cientistas, mas também oferecem uma visão mais ampla do impacto das alterações climáticas na biodiversidade da região", disse a USFQ em comunicado.

Laya Pothunuri, uma jovem líder do Darwin200 que viajou no navio desde Singapura, destaca o valor do arquipélago equatoriano para a ciência.

"Acredito que tem muita biodiversidade e espécies. Nada comparável a outros lugares", disse à AFP esta engenheira mecânica de 23 anos, que expressa preocupação com a ameaça do plástico para o frágil ecossistema.

Por isso, trabalha para melhorar o sistema de irrigação de cultivos de café nas ilhas. "Planeio fazer isto utilizando plástico reciclado, que também, novamente, é um grande problema aqui", afirma Pothunuri, nascida na Índia.

No ano passado, um estudo da ONG Charles Darwin relatou que tartarugas gigantes da espécie Chelonoidis porteri estavam a ingerir materiais prejudiciais em áreas urbanas e arredores.

As amostras recolhidas mostraram que 86% dos resíduos consumidos eram de plástico, 8% de tecido e o restante de metal, papel, papelão, materiais de construção e vidro.