![Fabricantes de gôndolas de Veneza enfrentam maré baixa na pandemia](/assets/img/blank.png)
Da multidão que povoou Veneza nos tempos do pintor Canaletto, conhecido pelas pinturas das paisagens da Sereníssima do século XVIII, apenas quatro "squeri" sobreviveram. Todos estão paralisados, ou quase, desde que a pandemia de coronavírus deixou a cidade sem as suas icónicas gôndolas.
"Veneza sem as suas gôndolas é sombria, não faz sentido", lamenta Roberto Dei Rossi, um dos poucos carpinteiros a manter viva a tradição do "squeraoili", os construtores desses longos barcos pretos, únicos no mundo.
"Toda as vezes que lanço um novo, é como assistir a um nascimento, é a minha criação", diz este veneziano de 58 anos, sorrindo.
Roberto diz que constrói, artesanalmente, de quatro a cinco gôndolas por ano. São cerca de 400 horas de trabalho para cada uma.
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Até Versalhes
As embarcações são constituídas por 280 peças de madeira de oito tipos diferentes (carvalho, larício, nogueira, cerejeira, tília, cedro, mogno e pinho) e duas peças de metal localizadas na proa e na popa. Medem 10,8 metros de comprimento e 1,38 metro de largura e pesam 600 quilos.
Quem compra estas embarcações são quase exclusivamente gondoleiros, que pagam entre 30.000 e 50.000 euros pela ferramenta de trabalho, conforme o acabamento. A gôndola é feita sob medida, dependendo do peso de cada uma.
"Mas houve alguns fãs que fizeram encomendas nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão", conta Roberto, orgulhoso.
A história conta que algumas foram dadas, com o gondoleiro incluído, pelo doge ao rei Luís XIV da França para a "flotilha real", que percorria o grande canal do Palácio de Versalhes no final do século XVII.
A maior parte da frota está agora a navegar nos canais de Veneza, movidos pelo remo dos quase 400 gondoleiros (o número é limitado). A licença de navegador é obtida na câmara municipal.
Agora, sem os casais apaixonados, devido à crise de saúde global, e após a inundação histórica do final de 2019, que já atingiu o turismo, os gondoleiros enfrentam a maré baixa no setor.
Este longo período de inatividade forçada teve impacto nos estaleiros, onde as gôndolas também são reparadas.
É o caso do "squero" Tramontin, localizado às margens do canal Ognissanti.
Trata-se da oficina mais antiga de Veneza ainda em operação, administrada por duas irmãs desde a morte do pai, Roberto, em 2018, herdeiro de uma dinastia de "squerarioli" fundada pelo bisavô em 1884.
"Sem o nosso pai aqui, faltava o mais importante. Então tivemos que nos reinventar, mas, com paciência, vamos conseguir", afirma Elena Tramontin, de 33 anos, que quer fazer a saga da família perdurar, ao lado da irmã Elisabetta.
Nenhuma das duas achou que iria seguir a profissão do pai. Ambas tiveram de enfrentar o desafio, cercando-se da experiência dos "maestri d'ascia" (os "mestres do machado"), como são chamados os carpinteiros especializados em dar vida às gôndolas. Há cada vez menos desses artesãos.
"A minha irmã é responsável pelas relações públicas, pela parte cultural da atividade, o que é importante. E eu dedico-me a pintar e a fazer alguns pequenos reparos nos barcos. De resto, tentamos dar o máximo de trabalho possível aos artesãos à nossa volta", conta Elisabetta, de 30 anos.
"Com este ofício, não fica rico. Tem que ter paixão, mas isso dá muita satisfação", acrescenta ela, com formação em escultura, determinada a perpetuar a memória do pai e a trabalhar para que a casa "Tramontin e filhos" se transforme em "Tramontin e filhas".
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