Reportagem Olivier Morin e Madeleine Pradel / AFP

Num banco de gelo de água do mar, Hjelmer Hammeken avista uma foca. Vestido de branco, o caçador inuíte avança a passos lentos sobre a neve, deita-se e espera. Ao bater no chão com os pés, o animal ergue a cabeça e ele atira.

No meio desta esta paisagem lunar, Hjelmer destroça imediatamente a presa e engole um pedaço de fígado ainda quente - é a recompensa do caçador.

A cena é rotineira em Ittoqqortoormitt, perto do estreito de Scoresby, o maior fiorde na costa leste da Gronelândia, nos confins do Ártico.

Nesta aldeia de casas coloridas de 350 habitantes, todos os homens caçam: ursos, se forem profissionais; focas, narvais ou bois-almiscarados, se forem amadores. Trata-se de um estilo de vida ancestral, passado de geração a geração.

Mas, há cerca de vinte anos, as alterações climáticas e as quotas de caça ameaçam uma tradição que garante a sobrevivência das famílias inuítes.

Para retratar a sua vida quotidiana, um realizador e um fotógrafo da AFP conviveram durante vários dias no fim de abril com caçadores profissionais de Ittoqqortoormitt.

"O que vai acontecer nos próximos 50 anos?"

Considerado uma lenda viva entre os seus, Hjelmer Hammeken é testemunha ocular das alterações climáticas.

Quando chega com o trenó puxado por cães no banco de gelo ao lado do mar, este caçador veterano de 66 anos impõe respeito. É o maior caçador de ursos-polares da Gronelândia: 319 abatidos em cinquenta anos, sete este ano.

A sua fama remonta aos anos 1980. Saía apenas com os cães rumo aos glaciares do fiorde, equipado com uma tenda e poucas provisões. Depois de várias semanas de expedição, podia voltar com até três ursos.

À caça com os inuítes do Ártico, sob efeito do degelo
Hjelmer Hammeken e o seu trenó puxado por cães. créditos: Olivier Morin / AFP

Era a época dourada para os caçadores profissionais, que vendiam as peles dos ursos para o exterior.

Em 2005, foram estabelecidas quotas de caça para travar a queda da população de ursos-polares. Este ano, limita-se a 35 exemplares, alcançada no fim de abril.

Por isso, neste dia, Hjelmer optou por caçar uma foca, que não é limitada por quotas.

Desde o começo do século, viu as alterações climáticas afetarem lentamente, mas de forma irreversível, o Ártico, que aquece quatro vezes mais rápido do que a média mundial.

"Antes, podíamos caçar durante todo o ano", conta. "No inverno, o gelo era mais duro (...) e o fiorde não derretia nunca", acrescenta. Hoje, o gelo é menos espesso, o banco menos extenso, e o estreito fica completamente aberto de meados de julho até o começo de setembro.

Enquanto observa o horizonte ao lado do jovem caçador Martin Madsen, o vento começa a acordar, assim como o mar. O gelo, mais fino nas bordas do banco, fica instável. O risco é desprender-se. É hora de partir.

"Em agosto, toda o banco de gelo estará derretido, restará apenas o mar, um mar agitado", o que complicará a caça de focas ou narvais (também submetidos a quotas), prossegue Hjelmer.

Quanto aos ursos polares, pergunta-se como vão sobreviver, pois caçam no banco de gelo. Durante o verão, presos em terra firme e famintos, aproximam-se do povoado. É provável que no futuro migrem mais para o norte, afirmam os cientistas.

"O que vai acontecer nos próximos 50 anos?", questiona-se Hjelmer. "A caça é fundamental para a nossa sobrevivência, precisamos dela para sobreviver, para comer, para levar dinheiro para casa. É importante para o povoado, para nosso futuro", afirma.

À caça com os inuítes do Ártico, sob efeito do degelo
Martin Madsen com a mulher Charlotte Pike e o filho Noah, na aldeia de Ittoqqortoormit. créditos: Olivier Morin / AFP

Sopa de urso-polar

Como faz todas as manhãs, Martin Madsen, de 28 anos, observa o horizonte a partir da janela. Em seguida, consulta as previsões meteorológicas no smartphone. Hoje faz muito sol e não há neblina. Condições ideais para caçar. Pega nas espingardas e dirige-se para a borda do banco de gelo.

Outros caçadores já estão em posição e esquadrinham a paisagem. A dois quilómetros deles, três ursos-polares estão à espreita.

Para atrair as focas, os inuítes raspam o gelo com seu "tooq", um longo pedaço de pau com o qual imitam o som destes animais quando cavam um buraco no gelo para respirar.

Quando um caçador encontra uma, grita "aanavaa!" (pronuncia-se "anaua" e significa "aqui tem uma foca!") e assobia para atrair o animal. Se ele errar, outros podem atirar.

Naquele dia, Martin erra o alvo. Mas no seguinte, mata uma foca-barbuda dentro d'água a mais de 200 metros de distância com a sua espingarda calibre 222 mm. Está orgulhoso e apressa-se em recuperar a presa antes que ela submerja. "Os cães vão poder comer", comemora.

Assim como Hjelmer, Martin é um dos dez caçadores profissionais de Ittoqqortoormitt. São os únicos autorizados a abater ursos-polares, um título atribuído se 100% dos rendimentos vierem da caça.

"Caço desde criança. Cresci entre caçadores, meu pai, meu avô", conta. As condições, no entanto, mudaram. Não tanto na forma de fazer - com o aparecimento de smartphones, satélites ou motos para a neve -, mas nas condições de viver disso.

"Hoje não há muito o que caçar", diz Martin. "As quotas impostas aos caçadores não funcionam".

Reportagem na Gronelândia
Martin Madsen mostra um urso polar que caçou no início de abril. créditos: Olivier Morin / AFP

As peles de urso, que só podem ser comercializadas na Gronelândia desde o embargo imposto em 2008 pela União Europeia, chegam a custar 2.000 euros; as de foca, a 40 euros, menos da metade do que valia antes de uma proibição imposta em 2009, que acabou sendo suspensa para os inuítes.

Martin volta para casa. A esposa, Charlotte Pike, cozinha sopa de urso-polar com tomates, cenouras, cebola e caril.

"Como ganhamos pouco com a caça (...), a vida é muito difícil", diz a mulher de 40 anos, que busca uma alternativa económica a receber turistas em casa.

"Isso para não falar" - continua - "de tudo o que ouvimos no mundo sobre matar animais, não comer carne (...) É duro para nós".

Martin, que nunca frequentou a escola, espera que o filho, Noah, de 8 anos, tenha um futuro diferente, longe da caça.

De geração em geração

Peter, o pai de Nukappiaaluk Hammeken, de 11 anos, não é caçador profissional. Está à frente de um mercado neste povoado no fim do mundo, a 800 km do assentamento humano mais próximo na Gronelândia, abastecido por barco de carga uma ou duas vezes por ano.

No entanto, Nukappiaaluk Hammeken sonha em fazer parte desta elite de caçadores, embora o seu número tenha diminuído com o passar dos anos.

Na juventude de Hjelmer - tio-avô - "quase todos os homens do povoado" eram caçadores profissionais.

À caça com os inuítes do Ártico, sob efeito do degelo
Martin Madsen em ação. créditos: Olivier Morin / AFP

Nukappiaaluk terá de esperar até os 12 anos para poder caçar pela primeira vez. Para tornar-se um profissional, deverá passar por uma longa aprendizagem com os anciãos.

O requisito é ter cães de trenó, obrigatórios para a caça profissional.

Hoje, o menino tímido prepara as coleiras dos seus nove cães. "Ele quer ser caçador profissional, assim eu explico-lhe como fazê-lo", diz o pai, de 38 anos.

Em dois meses, os cães poderão começar a trabalhar. Nukappiaaluk terá de aprender a adestrá-los, comandá-los através da voz para que alcancem 30 km/h e ganhar o seu respeito: o menor erro pode ser fatal neste ambiente hostil.

Também terá de aprender a entender as futuras presas: dieta, habitat e deslocamentos que mudam por influência do clima, assim como fizeram gerações de caçadores antes dele. "Se você não conhece os seus ancestrais, não sabe quem é", resume o irmão, Marti, de 22 anos.