Bilhete-postal por Maria Carvalho

Fui às Maldivas, pela primeira vez, em Setembro de 2009. Tinha acabado de casar e foi esse o destino que escolhi para a lua-de-mel [a escolha foi minha, porque o meu marido estava mais inclinado para a Indonésia].

Assim que lá cheguei, apaixonei-me, pela temperatura do ar e do mar e pelas cores, que correspondem na íntegra ao que vemos nos catálogos das agências de viagens. E disse ao meu marido: um dia vou trazer cá os meus filhos. E levei!

Quinze anos depois, neste mês de Agosto, voltámos ao mesmo resort, ao mesmo paraíso, capa de catálogo. De dois, passámos a quatro: eu, o meu marido e dois filhos, o Duarte, de 14 anos e o Vasco, de 10.

As Maldivas têm uma magia própria.

As Maldivas ficam no continente Asiático, que é como quem diz, para lá do fim do mundo. Como tal, a viagem [ou melhor, as viagens, porque são dois voos] é imprópria para quem tem medo de andar de avião e para os mais impacientes.

Árabes e mais árabes e alguns europeus, poucos.

O povo árabe é um povo curioso. Muito reservado numas coisas, mas muito mais livre do que nós, noutras. No aeroporto de Abu Dhabi, onde fizemos escala, vimos pessoas a circular descalças, de meias, de pantufas e com crocs douradas com sola de plataforma. As mulheres, um paradoxo: totalmente tapadas, mas maquilhadas como bonecas de cera e a fazer lives no chão do aeroporto, com o telemóvel preso a um tripé. Maços de notas, como forma de pagamento e embrulhos que mais pareciam obras de arte.

Depois de dois voos de 8 e 4 horas, respectivamente, mais uma escala de 4 horas em Abu Dhabi, mais uma viagem de speed boat de 30 minutos, chegámos ao destino. Uauu! Já não me lembrava que era assim!

A cor do mar, da areia, a vegetação, o bafo quente, a temperatura da água, a simpatia do povo. A inspiração...

Nas Maldivas, o tempo não passa. Talvez por às 06h30 ser completamente dia, com o movimento típico de qualquer local, pássaros, pessoas e sons. E, apesar de às 18h30 ser noite, o dia só termina quando nós quisermos. Que não queremos.

As Maldivas têm uma magia própria. Têm a capacidade de nos fazer esquecer que temos uma vida para além das férias. A comida, o ar, a temperatura, o mar, o cenário, o ambiente, as pessoas um pouco de todo o mundo... é tudo tão diferente que nos remete facilmente, e sem nos apercebermos, para uma vida que não é a nossa.

As Madivas têm o poder de nos obrigar a fazer reset e, tal como no Ano Novo, a acreditar que no regresso vai ser tudo diferente.

A internet é fraca e a ligação ao mundo exterior é pouca ou nenhuma. Na televisão, só passam canais árabes ou a CNN. Mas neste paraíso, queremos fazer uma pausa dos incêncios e da guerra.

E porque agora é Inverno, apanhámos três dias de tempestade tropical como não há memória, disseram-nos os locais. E quem se importou? Vento muito forte e chuva. Estavam 30° no ar e 32° na água. Mergulhos debaixo de chuva, que nos carregaram baterias e nos lavaram a alma.

Nadámos ao pé de raias, vimos tubarões, caranguejos e uma tartaruga enorme. Até os animais marinhos são prazerosos. Vimos centenas de casas-alugadas, nome dado aos búzios porque durante a sua vida mudam de carapaça várias vezes. Morcegos, lagartos e peixes coloridos. Pássaros ruidosos.

Nas Maldivas, não apetece ler. Só apetece escrever, filmar, fotografar. Registar tudo e mais alguma coisa. E partilhar. Provar que o que vemos nos catálogos é tão, mas tão verdade.

Só apetece conviver, perceber como se vive na Austrália, nos Estados Unidos, em Malé [capital das Maldivas], no Brasil, e até nos Açores e em Espanha. Há gente de todo o mundo. Gente a fazer Surf com 20, 30, 40 e 70 anos. Com a mesma genica e com a mesma paixão.

Mas não é só isto.

Apesar da água ser extremamente salgada, nas Maldivas não cheira a mar. E faz-nos falta.

Apesar de haver ondas nalgumas ilhas, aliás, nós fomos para uma dessas ilhas com uma onda [Lohi´s], praticamente em toda a ilha não se ouve o mar. E faz-nos falta.

Apesar de ser um destino paradisíaco, com uma grande diversidade de seres vivos e vegetação, não tem uma componente selvagem. E faz-nos falta.

Nas Maldivas cheira a Algarve, a turista e a férias. Cheira a fritos, a bronzeador [!!!] e a perfume.

Nas Maldivas, só se ouve o inglês e música de fundo. Nas Maldivas, há tanto cuidado em manter a ordem, que as algas são exterminadas, as folhas caídas rapidamente varridas e os cocos apanhados.

Mas já dizia Fernando Pessoa: Primeiro estranha-se e depois entranha-se.

E de que maneira...

Podem ler mais da Maria no seu blog Barulho de fundo, onde este texto foi originalmente publicado.